top of page

Um futuro sempre se recompondo

Guilherme Wisnik

 

 

Que país é esse que se desfaz a olhos vistos diante de nós? Será que aquele Brasil moderno, potente e criativo, que parecia saltar direto do subdesenvolvimento colonial para a modernidade internacional foi apenas uma miragem? Ou uma realidade efêmera que foi destruída nas décadas recentes, desde a ditadura militar?

O trabalho de Bruno Faria já vem lidando com essa ordem de questões há algum tempo, mirando o ícone-monumento de Brasília como um dos símbolos privilegiados dessa ilusão ou falência. Significativamente, aqui ele retoma a paradigmática telenovela Vale Tudo, da Rede Globo, exibida em 1988. Feita em pleno caos econômico e social do governo José Sarney, a novela captava o clima de baixa autoestima do país, vocalizando nas falas de Odete Roitman (Beatriz Segall) a visão esnobe de uma elite que desprezava o Brasil. Reouvidas hoje, suas frases são lúcidas formulações de uma voz monstruosa que, nos dias atuais, veio a se mostrar como sendo a opinião não apenas de uma pequena elite, mas de uma franja enorme do país, baseada não só no esnobismo de classe, mas também no rancor ressentido, no machismo xenófobo e ignorante, na brutalidade bestial e no culto da morte. 

Mas nem tudo é destruição. 1988 era também o ano em que promulgávamos a nova Constituição do país, feita sob os ares da redemocratização e do avanço dos direitos das minorias. Nos trabalhos de Bruno Faria essa dualidade sempre é percebida. Por um lado, se faz o registro crítico de um país colonial e escravocrata que perpetua a violência e a desigualdade. Também se identifica com agudeza crítica a presença de uma paisagem natural sendo constantemente destruída. Mas, por outro lado, há também a consciência dos estudantes do Ensino Médio do Ginásio

 

Pernambucano que reformulam lucidamente a nossa história. Ou, ainda, há a miríade de pinturas de paisagens litorâneas e sertanejas escondidas no arranjo linear feito pelo artista, e que mostra apenas as suas faces laterais. E, com elas, há a nossa liberdade de deslocar cada tela do lugar, e assim embaralhar a frase messiânica que dá título à exposição: “O sertão vai virar mar”. 

Isto é: o futuro não é imutável. Ele está sempre se recompondo, e cabe a nós atuar ativamente nessa recomposição, mudando as paisagens de lugar, ou esburacando a partitura que desenha o Hino Nacional na parede, desarranjando-o. No Brasil de 2022 outros arranjos têm que ser possíveis, para que o espectro de Odete Roitman venha a ser apenas uma “Natureza Morta”.

 

 

 

 

 

 

 

 

bottom of page