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Onde Estão as Minhas Obras?

Performance / Instalação, 2017

Partindo de um convite do MAMAM para realizar uma exposição que pensasse o acervo, história ou memória da instituição, a proposta foi realizar um trabalho sobre um episódio ocorrido no Museu, resultado de uma exposição que acabou não acontecendo.

 

Em 26 de agosto de 1999 o MAMAM iria inaugurar a exposição “Antropologia da Face Gloriosa” de Arthur Omar, mas as obras não chegaram. No dia e hora da abertura, os convidados e jornalistas chegaram na Museu, mas a sala da exposição estava vazia. As obras se perderam, elas foram enviadas para Recife em um caminhão de galinhas, e não chegaram até hora da exposição. Na abertura o artista surgiu indignado, e num ato de protesto pichou a sala onde aconteceria a exposição com a frase “Onde Estão as Minhas Obras?”.

 

Para o trabalho foi retomado esse fato, criando uma nova exposição em que o público ao chegar na mesma sala, onde deveria ter acontecido a mostra de 1999, encontrou as paredes novamente vazias. Horas depois da abertura da exposição, uma equipe de cinco homens surgiu e derrubou a parede branca, que era falsa, e foi montada para dar a impressão de que a sala estava vazia. Por traz da parede falsa, surge uma reprodução exata da pichação de Arthur Omar, realiza por uma restauradora e dois pichadores. Removida a parede, a equipe de museologia do MAMAM levou para a sala 4 vitrines com o jornais de época do acervo do Arquivo Público e da Biblioteca Pública de Pernambuco, que relatam o fato. Junto com os jornais, estavam as fotografias do arquivo do Museu, que documentam a chegada das obras cinco dias após a abertura. Também integra a instalação um texto da curadora Clarissa Diniz*, que não é assinado. Colocado como se fosse um texto da instituição, ele diz que durante uma obra no museu a pichação foi encontrada, convertendo a intervenção artística em exposição histórica, a ficção em fato histórico legitimado pelo Museu que a exibe, além de dar o contexto histórico do ocorrido em 1999, e falar da fragilidade das instituições culturais no Brasil.

 

Exposição “Onde Estão as Minhas Obras?”, curadoria Clarissa Diniz. MAMAM - Museu de Arte Moderna Aloísio Magalhães - Recife - PE [2017]

*A ressurgência de uma ferida aberta

No último 19 de janeiro, durante um procedimento padrão de adequação de espaço para a exposição que iria ocupar o térreo do Mamam, a equipe cenotécnica foi surpreendida pelo aparecimento, por trás do painel expositivo, daquilo que – entrevisto através de um buraco acidentalmente aberto na parede – parecia ser algum tipo de inscrição. Logo se perceberia tratar-se de uma pixação historicamente invisibilizada pelo próprio museu, o brado de um artista: “onde estão as minhas obras?”.

O clamor, oriundo da revolta de Arthur Omar diante da não chegada de suas fotografias da série Antropologia da face gloriosa (1973-1997) ao Recife, por ocasião de sua individual neste museu em agosto de 1999, repercutiu dramaticamente na cidade e no Brasil. Os que estiveram presentes na abertura das outras duas exposições programadas para serem inauguradas simultaneamente à de Omar testemunharam o gesto de protesto do artista ao pixar as castiças paredes da galeria, já não mais isentas do que se passava ao seu redor. Afinal, desavisadas não estavam somente as paredes, mas também o artista e o museu: àquela altura, não se sabia onde estavam as obras, visto que a transportadora especializada contratada pelo Mamam havia terceirizado o serviço a outra, da qual não se tinha notícias.

Num momento em que a antiga Galeria Metropolitana de Arte Moderna do Recife se tornava museu, fundando o Mamam, o fato fragilizou a instituição e pode ter tido consequências ainda hoje pouco mensuradas dado o desfecho da história: as obras chegaram cinco dias após a data de sua prevista inauguração, trazidas ao Recife num caminhão de galinhas, finalmente cancelando qualquer restante expectativa de realização da mostra.

 

Com seu gesto, ao responder à lacuna de suas fotografias com o pixo aqui redescoberto – e que fora também completado e comentado por outras pessoas que se dispuseram a fazer uso do spray naquele conturbado vernissage de 18 anos atrás –, Omar tornou ainda mais complexa a encruzilhada vivida pelo museu. Além de lidar com o extravio das obras, o Mamam se viu obrigado a reagir também a uma nova, inesperada e impregnada ação do artista, que retornou ao Rio de Janeiro deixando o museu com o dilema de entender o seu pixo. Diante dessa inscrição, como deveria eticamente agir este museu que não soube evitar o sumiço dos trabalhos de Arthur Omar, uma vez que – reversa, crítica e quiçá generosamente – a essa vacuidade institucional o artista respondera com um gesto de absoluta presença, transformando o vazio institucional em hiato criativo?

Não havendo encontrado qualquer documentação relativa aos entendimentos do Mamam com o artista, encontramos todavia a maior das evidências à pergunta posta: o museu conservou, por trás de uma parede falsa, o pixo de Omar. Havê-lo encontrado acidentalmente acendeu uma importante reflexão em torno dos limites e consciências institucionais, ao mesmo tempo profundamente condicionadas e expressivamente resistentes às sofríveis circunstâncias das instituições de arte do país. Afinal, se o extravio das obras de Arthur foi um sintoma da fragilidade do Mamam, a subversiva conservação do protesto do artista por parte do próprio museu se revelou, quase duas décadas depois, como índice de uma aguda autocrítica institucional, disparadora disto que aqui se apresenta. Nesta exibição pública do brado de Omar, o Mamam assume sua ferida aberta, insubmissamente escondida para que fosse estrategicamente reencontrada.

O ressurgimento do gesto de Arthur Omar coincide com o projeto “Onde Estão as Minhas Obras” recente do Mamam em pensar-se criticamente, em razão do que tem convidado artistas e curadores a ocupar sua galeria térrea com exposições que problematizem questões institucionais. Insurgente, o pixo faz ver que esse não parece ser um esforço novo na vida do museu, mas que de alguma maneira sempre esteve lá, necessário e urgente diante da absoluta – e insistente – precariedade da instituição. A sobrevivência do brado de Omar evidencia o também sobrevivente estado do museu, apontando para as prementes demandas públicas por sua estruturação, fortalecimento e profissionalização: onde estão?

 

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